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A REFORMA TRABALHISTA NO SETOR DE SAÚDE

Há alguns meses começamos a abordar aqui no blog as mudanças trazidas pela reforma trabalhista. Já falamos sobre as novas regras referentes a jornada de trabalho, rescisão do contrato de trabalho, aspectos positivos e negativos da reforma e fizemos uma avaliação seis meses depois da sua entrada em vigor.

Nesse artigo iremos abordar as aplicações e os impactos da reforma para o setor de saúde. Existem as regras gerais que valem para todas as áreas de atuação profissional, mas existem algumas previsões específicas que interferem mais ou menos em determinados setores. Quais foram as mudanças importantes para o setor de saúde? Os hospitais, clínicas, laboratórios e empresas da área se adequaram as novas previsões? Estão sendo usufruídas as possibilidades trazidas pela reforma? Vamos analisar a seguir.

MUDANÇAS PARA O SETOR NA JORNADA DE TRABALHO

Talvez o tema mais relevante para o setor seja referente as mudanças trazidas na jornada de trabalho. Afinal, o que os profissionais de saúde precisam saber sobre a jornada? O que mudou? É de conhecimento geral que o setor da saúde possui jornadas peculiares em decorrência da necessidade de atendimento contínuo aos pacientes, principalmente em hospitais e atendimentos domiciliares, que trabalham com urgências e emergências. Por isso, mesmo antes da reforma, diversos Sindicatos já pactuavam uma maior flexibilidade nas jornadas dos profissionais de saúde, permitindo prorrogações de jornada com compensações, regimes especiais de 12×36 horas, plantões de 24 horas, o que era chancelado e autorizado pela jurisprudência, desde que acordado coletivamente.

A reforma trouxe uma maior segurança em relação a esse assunto e, podemos dizer, uma maior liberdade também. A CLT passou a possibilitar a pactuação do regime de compensação de jornada via banco de horas sem autorização do sindicato, bem como a fixação do regime de 12 horas de trabalho seguidas por 36 horas de folga também sem necessidade da ratificação sindical.

Outro ponto trazido pela reforma, que pode ser utilizado para médicos e outros profissionais da área de saúde, é a criação do regime de trabalho intermitente, ou seja, a empresa pode contratar o profissional para trabalhar em serviços pontuais e pagá-lo apenas pelo período em que prestou seus serviços. A CLT antes não regulamentava esse tipo de trabalho. O contrato de trabalho intermitente deve ser feito por escrito e ter especificado o valor da hora de trabalho.

Dessa forma, o profissional de saúde pode celebrar contratos de trabalho com vários hospitais, clínicas, laboratórios, empresas de atenção domiciliar etc, recebendo por hora ou por produção quando efetivamente prestar o atendimento, podendo organizar a escala de trabalho semana após semana. A novidade permite uma maior flexibilização da atividade profissional, evitando discussões futuras sobre o reconhecimento do vínculo de emprego, pela necessidade de anotação do contrato na CTPS.

Além desses pontos, há tantos outros igualmente relevantes que atingem as relações de trabalho de uma maneira geral, tais como a possibilidade de redução do intervalo intrajornada, o fim do pagamento das horas in itinere (deslocamento entre residência e trabalho não servido por transporte público), a possibilidade de fracionamento das férias em até três períodos, entre outros referentes a jornada, já abordados nos nossos artigos anteriores (confira clicando no link: http://3s.adv.br/tag/reforma-trabalhista/ ).

EMPREGADAS GESTANTES E LACTANTES QUE TRABALHAM EM LOCAIS INSALUBRES

Um dos pontos mais polêmicos da reforma diz respeito a previsão de que empregadas gestantes que trabalham em local insalubre em grau médio ou mínimo precisam apresentar atestado médico para serem remanejadas de local. Esse ponto interfere diretamente no setor de saúde, justamente pela configuração de ambiente insalubre em muitos estabelecimentos da área.

Nos casos de grau máximo de insalubridade o afastamento deve ocorrer independentemente da apresentação de atestado. A medida provisória que regulamentava a reforma trabalhista previa que o exercício de atividades insalubres em grau médio ou mínimo pela gestante somente seria permitido quando a empregada, voluntariamente, apresentasse atestado de saúde, emitido por médico de sua confiança, que autorizasse a sua permanência no exercício de suas atividades. Além disso, a medida provisória previa que a empregada lactante seria afastada de atividades insalubres em qualquer grau quando apresentasse atestado de saúde emitido por médico de sua confiança, que recomendasse o afastamento durante a lactação.

Contudo, em abril, a medida provisória perdeu a validade e o texto original aprovado pelo Congresso voltou a valer, incluindo os pontos polêmicos, como permitir que grávidas trabalhem em locais insalubres de grau médio e mínimo. Importante ressaltar que caso o afastamento ocorra, não haverá prejuízo na remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade.

Assim, atualmente, a empregada gestante ou lactante poderá trabalhar em ambiente insalubre (graus mínimo e médio), a menos que apresente atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher recomendando o afastamento durante a gestação.

CAUTELA E RESPONSABILIDADE NA APLICAÇÃO DAS INOVAÇÕES

A autorização expressa de terceirização da atividade fim das instituições também interferiu numa discussão antiga acerca da possibilidade de contratação de médicos autônomos e de serviços especializados (fisioterapia, radiologia, ortopedia etc.) via RPA ou mesmo via pessoa jurídica. Antes da reforma, a contratação de profissionais da saúde que não fossem empregados era tida pela maioria dos auditores fiscais do Trabalho como ilegal, já que era inviável e proibida a terceirização da atividade fim dos estabelecimentos de saúde. A reforma trabalhista expressamente dispôs sobre o assunto, autorizando a terceirização de todas as atividades, inclusive da atividade principal da empresa contratante.

Com essa novidade, a partir da reforma, algumas empresas entenderam que as alterações estavam liberadas e podiam ser aplicadas de forma irrestrita, principalmente no que se refere a terceirização, assunto que interessa muito ao setor de saúde. Contudo, alguns estabelecimentos da área captaram de forma errada as premissas da mudança da lei e agiram de forma equivocada.

Muitas notícias foram divulgadas sobre demissões em massa no setor de saúde e recontratação imediata dos empregados dispensados por meio de Pessoas Jurídicas. É importante deixar claro que não se pode transformar um funcionário em PJ (pessoa jurídica) simplesmente. A reforma, inclusive, proíbe a empresa, durante 18 meses, de contratar como prestadora de serviço uma empresa que tenha como sócio um ex-funcionário seu. O objetivo é impedir que um empregador force seus trabalhadores a abrirem empresas e percam seus direitos trabalhistas. A quarentena também vale para os terceirizados. Após o referido prazo, entretanto, essa substituição de empregados diretos por terceirizados pode acabar acontecendo na empresa, que deixa de ser empregadora e passa a ser apenas tomadora (contratante).

Assim, é preciso ter prudência em relação a todas essas questões. Empresas e profissionais devem observar quais direitos e benefícios antes previstos sofreram mudanças com a nova legislação. Para implementar as novas regras, são necessários planejamentos, planos de ações, documentos, aditivos, entre outros. Para tanto, é necessário consultar profissionais qualificados para que apresentem esse plano de trabalho. A reforma possibilita a modernização da relação de trabalho entre empregado e empregador, criando facilidades e segurança jurídica na relação, mas precisa ser colocada em prática com prudência, cautela e responsabilidade.

Ana Paula Studart é sócia do Susart Studart Seixas Advocacia para Empreendedores e especialista em Gerenciamento de Conflitos Trabalhistas.

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